Tuesday, August 08, 2006

Quarto de caçadores II

O conforto duma parede azul depois de horas no quarto de paredes rosa. Aquele quarto , parte do sistema digestivo duma gigantesca criatura que me engoliu durante o sono.
O corredor infinito, iluminado por lâmpadas azuis em forma de espiral, garganta sem fim por onde passara na companhia de Morpheus.
De quando em quando o silêncio do corredor era interrompido pelos passos do senhor dos dentes amarelos e bigode azul escuro.
Falava uma língua para mim desconhecida, ria-se e avançava trôpego até de novo desaparecer, provavelmente noutra parte do sistema digestivo.
Tentávamos sempre fazer-nos perguntas, comunicarmos, mas invariavelmente as conversas acabavam com um encolher de ombros.
Quando o sono me atacava e sem resistir caía na cama adormecido começava a digestão. Seres invisíveis mordiam-me a pele e a carne. Tentava lutar contra o sono e contra essa digestão mas de nada me valiam os esforços. Cada manhã ao despertar a minha pele estava mais próxima da cor da parede.
O lavatório deitava apenas um fiozinho de água. Um minuto e tinha as mãos cheias de água para lavar a cara. Por vezes, quando a digestão me afectava mais, fazia-o duas vezes ao despertar. Todos os gestos pareciam eternos e era-me dificil já distinguir o sono da vigília.
Nas minhas mão já havia a marca da água com que as enchia para lavar a face.
O espelho, minúsculo, era rodeado por uma espécie de armário de parede cor de laranja que parecia a versão ampliada das gengivas do senhor do corredor.

3 Comments:

Blogger Eli said...

Uma descrição que me levou para esse lugar...

:)

8:44 AM  
Blogger Nandita said...

gosto do lado bizarro do que escreves... "estranho quando dou por mim num mundo bizarro, e mais ainda quando o lado mais bizarro do mundo sou eu..." ja dizia o Manuel Cruz.
Beijo

8:28 AM  
Blogger Sáurius said...

obrigada por passares no meu blog e pelos parabéns.

gosto da tua forma irreal quase sinistra.

ósculos.

1:58 AM  

Post a Comment

<< Home