Friday, September 08, 2006

Último número

A imaginação acabou. Não sinto mais força para escrever. Os coelhos que andavam pela cartola da criação tinham-se extinto ou recusavam-se a sair. Por vezes o truque não era mais do que voltar a sacar o mesmo coelho vezes e vezes de seguida. Olhava para o fundo vazio do chapéu e perguntava-me: onde estaria a imaginação?
Durante a noite sonhava palavras cheias de ilusionismo mas ao despertar um malvado encantador transformava-as em esquecimento.
Escrevia mil vezes o mesmo poema como recurso final até que o poema sofria pequenas transformações de que mal me apercebia.
Acordado sonhava números cheios de significado e um pequeno público que me escutava. Depois olhava para o vazio, fechava os olhos e voltava a enfiar a mão, como se dali ainda saltassem ideias!

Monday, September 04, 2006

O experimento V

Acabei mesmo por me fartar daquele experimento. Tive que me render à evidência de que Dalic enloquecera.
A gota de água foi no dia em que a curiosidade me levou a ler um dos seus cadernos de apontamentos às escondidas e descobri que também eu me tornara parte das experiências! Entre dá-lo por génio ou louco optei pela segunda hipótese. Eu próprio estava à beira de endoidar.
Ficou pálido quando me apanhou a ler o caderno. Fechei-o e fui para casa sem dizer uma palavra. Também a mim Dalic não disse nada.
Quando chegou a casa o cínico começou-me a falar dos planos para o dia seguinte como se nada se tivesse passado. Apercebi-me que no seu maço de cadernos havia um novo volume. Decidi também fazer o papel de cínico e actuei como se tudo estivesse na mesma. Não deixei foi de lhe exigir o dinheiro dos soldos que me devia. E não é que o gajo me pagou!
Pela última vez fomos aquele campo, ou melhor, pela última vez fomos juntos.
Começou a dar-me as habituais instruções só que eu não estive com meias medidas: enraivecia-me de verdade ter passado debalde aqueles meses no campo. Peguei nos cadernos, desci colina abaixo a correr e dei-os de comer às minhas amigas cabras que os devoraram.
Quando olhei para cima estava Dalic a dançar com um caderno na mão, aquele que no dia anterior eu havia notado, e a gritar: resultou, resultou!