Thursday, November 18, 2004

Amostra 2

Num dia gravava as reflexões que tinha e no outro lia-as e aproveitava as que me pareciam convenientes. Podia comparar as reflexões sobre a paisagem do dia anterior com a paisagem que agora observava, verificando como essas reflexões tinham distorsões constantes do real, como se eu fosse um daqueles espelhos de feira que mais não fazem que distorcer as imagens.
Um fragmento de plástico azul que no dia anterior era descrito como o precioso vestígio de um antigo mosaico.
O olvido duma figueira nas profundezas da cratera.
Aves azuis com vozes de outras aves.
Comer duas vezes o mesmo dióspiro.
A reflexão da reflexão tomava matizes caleidoscópicos numa sobreposição de espelhos que a luz do Sol, quando a havia, estilhaçava desde o meu interior. A reflexão portanto tinha que ser esquecida, para bem do equilibrio do universo.

Monday, November 08, 2004

A formação do laboratório

Decidi finalmente dar de alguma forma acesso ao que tenho vindo a escrever, poderia aqui colocar velhos textos já escritos ou passar o que agora estou a escrever na sua versão integral- seria um pouco aborrecido.
Por isso optei por colocar excertos do texto com uma periodicidade ainda não estudada e à medida que o vou escrevendo.
Aqui vai o primeiro excerto que de alguma forma pode servir de introdução ao blog:


"Deixaste de escrever poemas!" Disse-lhe ela uma manhã na praia.
Cheirava a protector solar e vestia um leve vestido de algodão. Houve um sorriso, um fechar de olhos, um beijo e uma doce carícia nas cochas. "Escrevo poesias na tua pele com os meus dedos, não as tens lido?" Respondeu-lhe. Cheirava a protector solar, tinha os olhos abertos reflectindo a luz do sol. Brilhavam cristais azuis nas palmas das suas mãos. "As tuas mãos têm cristais azuis que brilham ao sol!" Fechou as mãos com força e os cristais desapareceram. Tinha bolas de sabão poisadas na barriga que rolavam muito muito devagar.
"Os meus dedos tentam alcançar as bolas ao longo da tua pele e apesar da sua lentidão não as consigo alcançar!"



Deitei-me assente no fundo oceânico. Precisava de descansar, de me preparar para a difícil tarefa: organizar a papelada que tenho vindo a acumular e tentar dar-lhe um sentido.
Houve uma série de processos ocorridos durante a formação do laboratório que se escaparam ao meu controlo! "Tinhas um dia que te perder na minha pele! Tinhas um dia de perceber que essas folhas a que chamas amostras se são parte de ti e de mim não deixam sobretudo de ser partes longínquas."
As folhas amostras começaram a estratificar-se no chão, nas bancadas, nas prateleiras, sem que eu tivesse aparentemente nisso qualquer influência. As amostras acabaram por se misturar. De cada vez que tentei colocá-las na posição inicial tinha a noção de que estava outra vez a fugir do objectivo inicial que ainda por cima acabei por esquecer.